Ervilhas e juás

— Mas olha só! Basta apenas um tico!

O mundo, coitado, sem saber estava prestes a desabar com a nova descoberta do Fernandinho. Tantos anos colocando mais pasta que o necessário na escova de dentes não podiam passar incólumes. Os fabricantes tinham de pagar!

Sua primeira e óbvia providência foi consultar o pai, que trabalhava na repartição do Inmetro responsável por medir a altura dos pés dos móveis (sofás, armários, fogões etc.) para garantir a passagem do mop embaixo deles. Doutor Fernando, como era conhecido na praça, já havia multado uma dezena de marcas, com direito, inclusive, a reportagem no Fantástico. Diziam as más línguas que ele era mancomunado com determinadas marcas e com a própria produção do programa, mas isso nunca foi provado.

— Claro que esse absurdo não pode passar batido, Juninho! Sua hora de mostrar serviço é agora. Inclusive, se você tivesse me contado antes, eu teria economizado meio grama de pasta hoje de manhã. Imagine o peso disso no orçamento de milhões de brasileiros? —, disse ao filho. 

Fernandinho comprava a indignação do pai, e estava mesmo disposto a arregaçar as mangas para o que desse e viesse em prol da brava e sofrida gente brasileira. Só não sabia como, exatamente. O pai, então, lhe deu algumas sugestões.

Primeiro, que ele gravasse um vídeo mostrando que uma quantidade de pasta do tamanho de uma ervilha bastava para escovar os dentes. Depois, que protocolasse uma ação junto ao Procon requerendo que os fabricantes de creme dental colocassem essa instrução no verso das embalagens. — Pode-se pensar, também, em obrigá-los a fabricar tubos com bico dosador, para evitar desperdício de pasta —, acrescentou o velho. Os olhos de Fernando Júnior brilharam com a proposta. Como ninguém havia pensado nisso antes?

Nosso herói estava prestes a deflagrar a revolução, quando um pequeno incidente mudou o rumo das coisas. No escritório, enquanto compartilhava seu projeto com uma amiga, notou que, quanto mais ele falava, mais ela se afastava. 

— Que foi, Juliana?

— É… Nada.

— Como assim, “nada”? Eu falo e você se afasta…

— É que…

— Fala logo.

— Você tá com um bafinho.

— Como é?

— Sério. Bafinho, bafinho. 

— Sério?

— Tá ruço, mano.

Aquilo desconcertou o moço, que imediatamente correu para o banheiro para se certificar, mas debalde: geralmente não se sente o próprio bafo. Mas, se Juliana falou, devia ser verdade. Voltou para a mesa e evitou o quanto pôde travar diálogos muito aproximados. Aproveitou os resquícios da pandemia e sacou uma máscara. Aceitou, meio a contragosto, a oferta do Halls extraforte da amiga. Não havia muito o que fazer naquela situação.

Na volta para casa, o rádio do Uber tocava “O leãozinho”, de Caetano Veloso, e isso o fez lembrar-se de por que odiava MPB. Pediu ao motorista que mudasse de estação. Sentado, obviamente, no banco de trás, falou o mínimo com ele, pois o carro era um Kwid e muito falatório poderia obrigar o dono a abaixar os vidros.

Na solitude do quarto, passou a ponderar os efeitos colaterais de sua proposta tresloucada. Gente com bafo nas ruas. Preço do creme dental disparando, já que agora os fabricantes seriam obrigados a implementar o tal bico dosador, certificado pelo Inmetro. Gente sem poder mais comprar o item básico e tendo que recorrer a raspa de juá, o que levaria a ainda mais gente com bafo. E o pior: a volta das máscaras! Não, não podia mais levar isso adiante. O pai lamentou a decisão. Parecia tudo tão promissor…

Dias depois, num exame médico, nosso rapaz descobriu um problema gástrico. — É daí que vem o seu mau hálito, e não da pouca pasta na escova —, garantiu-lhe o doutor. Os olhos de Fernandinho voltaram a brilhar. 

— Pai, não era a ervilha, era a gastrite!

— Maravilha, filho! Maravilha! Quer dizer então…

— Voltaremos a ser o país do juá. O senhor vai ver.

— Deus te ouça!

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