Partiu

Para Nolan*. Feliz Dia do Amigo.

Dias atrás um amigo me perguntou se Jayber Crow, de Wendell Berry, trata sobre vocação. Respondi que, embora não se resuma a esse tema, o romance o aborda, sim. Afinal, o protagonista tentou um pouco de tudo na vida (inclusive ser pastor, vejam só), mas sua vocação mesmo era ser barbeiro, um simples barbeiro. No entanto, é a partir de sua barbearia que ele enxerga o mundo. Ou por outra: Jayber Crow nada mais é que o mundo contido numa barbearia. 

Eu mal sabia que, por trás da pergunta do amigo, jazia uma pequena crise vocacional. Quando aquilo que fazemos por necessidade enche de comida a nossa mesa mas não de alegria o nosso coração, é natural que lutemos com Deus por qual lugar ele nos quer neste mundo. Se após cada ato criativo ele mesmo avaliava tudo como “muito bom”, por que nós, os seus filhos, não podemos fruir de sensação semelhante? 

Curiosamente, esse mesmo amigo mal sabia que este era um assunto no qual eu vinha matutando bastante nos últimos dias enquanto lia Abraham Kuyper falando sobre Calvinismo e arte, em seu clássico Calvinismo (Stone Lectures). Então lembrei de “Partiu”, do Palavrantiga, que, segundo penso, trata exatamente sobre vocação, em especial a vocação do artista.

Enquanto tomava café da manhã e chorava ouvindo a música (não só essa música, mas esse disco como um todo me toca de uma maneira que não consigo explicar), fiz um pequeno exercício imaginativo, no qual Marcos Almeida, a quem chamarei de Poeta, trava, em tom pastoral, uma conversa exatamente com um jovem com vocação artística, mas ainda inseguro quanto ao caminho a seguir. Ficou assim:

– Poeta, é possível fugir de minha vocação?
– Não, não tem como fugir não.
– Então acha que devo segui–la?
– Põe na história o seu dom / Vai, é a hora de ir.
– Mas com que armas vou encarar esse desafio? Sinto-me tão fraco...
– Tua fé abriu um caminho bom / Siga agora o teu sonho, vai.
– Ainda tenho medo. Vão questionar o meu cristianismo, dizer que minha atividade é demasiado “secular”...
– Se essa é a sua dor, põe sobre ela sorte / Todo o teu amor que você lhe escondeu, vai.
– Poxa, Poeta. Muito obrigado pelas palavras! Vou fazer isso mesmo. Deus me ajude nessa jornada. Fui!

O Poeta, orgulhoso, vê o jovem partir para exercer sua vocação (para exercer a sua “maioridade”, como diria Kuyper), e reflete:

Partiu
Foi embora sem mais desculpas
Se libertou e partiu
Foi pra rua sem mais desculpas
Um mundo inteiro ouviu você
Tão perto o amor sincero.

Avante, Nolan. Sua fé já abriu um caminho bom. Mesmo que você tenha que ficar.

* Sou péssimo em disfarçar o nome dos amigos. 

Comentários

  1. O disfarce foi ótimo, a dúvida é se coube mesmo! Mas o que fazer diante disso? Avançarei, então!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Rito de passagem

Os filhos de Arielle

Dois cavalos